quinta-feira, 19 de março de 2015

Os três pregos na Cruz

O sorriso de Madre Teresa de Calcutá, sempre presente em toda e qualquer circunstância de sua vida, mesmo durante aqueles períodos de "noite escura", dos quais a bem-aventurada se lembrava com angústia em suas cartas, ainda hoje é capaz de impressionar. Quem olha para a imagem da beata enxerga o rosto de uma pessoa que, deixando-se consumir totalmente pelo fogo divino, fez desta nossa peregrinação terrestre um ato contínuo de amor e entrega a Deus. Ou seja, encontrou a felicidade, completando na própria carne as dores que faltaram aos sofrimentos de Cristo pelo seu Corpo, que é a Igreja (cf. Cl 1, 24).
Certamente, um modelo de vida semelhante pode causar, não obstante admirações, grandes perplexidades. Ainda mais em uma sociedade que já não sabe lidar com o sofrimento. Como é possível ser feliz na dor? A resposta a essa pergunta está na cruz. A alegria do homem é fazer a vontade de Deus. Contudo, por se tratar de algo nem sempre fácil — ao contrário, consiste muitas vezes em um verdadeiro martírio —, o cumprimento dessa vontade exige um desprendimento heroico acerca de todo e qualquer apego, seja material seja afetivo. O exemplo primordial de abnegação vem, sobretudo, de Cristo no Horto das Oliveiras. Suando sangue, o Senhor diz: "Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice! Não se faça, todavia, a minha vontade, mas sim a tua" ( Lc 22, 42).
Na vida de todos os santos se constata essa atitude do Jesus agonizante que, mesmo sofrendo, se regozija por cumprir o desejo do Pai. A confiança em Deus desperta no ser humano o dom do olhar sobrenatural, o qual ilumina o caminho para a verdadeira glória do céu. Como costumava dizer Santa Teresa d'Ávila, esta vida é como uma noite ruim, numa ruim pousada [1]. Nossa meta definitiva é, verdadeiramente, a eterna casa do Pai. Aqui, somos somente estrangeiros. Por isso São Paulo e Silas, dentro da prisão, mesmo diante da possibilidade da morte, cantavam um hino a Deus (cf. At 16, 25). Eles estavam convictos daquilo que Nossa Senhora também prometera em Lourdes a Santa Bernadette: "Não lhe prometo a felicidade neste mundo, somente no outro" [2].
Com efeito, o desapego das coisas puramente terrenas deveria ser uma meta para todo cristão decidido a agradar somente a Deus. "Quem me dera não estar atado senão por três pregos, nem ter outra sensação em minha carne que a Cruz" [3]. Era o que constantemente pedia São Josemaria Escrivá em suas meditações diárias. Neste propósito, o santo do cotidiano em nada menosprezava as obrigações e responsabilidades diárias do homem perante a sociedade. É fato que um verdadeiro cristão deve agir bem em todas os ambientes, transformando-os em ocasião de adoração perpétua a Deus. O que São Josemaria pedia era a graça de enxergar tudo como oportunidade de oblação ao Senhor, a sempre lembrar-se de que o fim de todas as nossas ações só pode ser um: o encontro com Jesus.
Foi este pensamento que encantou a então filósofa ateia Edith Stein, e a fez abandonar suas raízes judias para tomar o hábito das carmelitas. Ela compreendeu a ciência da cruz, por assim dizer, descobrindo o significado salvífico e redentor da paixão de Cristo. "O que nos salvará não serão as realizações humanas, mas a paixão do Cristo, na qual quero ter parte" [4]. Com estas palavras, a futura santa Teresa Benedita da Cruz renunciava ao seu prestigioso nome, à sua posição ao lado de um dos maiores filósofos modernos — Edmund Husserl —, aos seus bens materiais, a fim de alcançar a sétima morada, isto é, a plena conformação à vontade divina. A 2 de agosto de 1942, irmã Teresa cumpria seu desejo de tomar parte na paixão de Cristo, oferecendo-se em holocausto, durante o martírio no campo de concentração nazista, em Auschwitz.
Na homilia de sua canonização, o Papa João Paulo II assim descreveu o itinerário de conversão da santa [5]:
O amor de Cristo foi o fogo que ardeu a vida de Teresa Benedita da Cruz. Antes ainda de se dar conta, ela foi completamente arrebatada por ele. No início, o seu ideal foi a liberdade. Durante muito tempo, Edith Stein viveu a experiência da busca. A sua mente não se cansou de investigar e o seu coração de esperar. Percorreu o árduo caminho da filosofia com ardor apaixonado e no fim foi premiada: conquistou a verdade; antes, foi por ela conquistada. De facto, descobriu que a verdade tinha um nome: Jesus Cristo, e a partir daquele momento o Verbo encarnado foi tudo para ela. Olhando como Carmelita para este período da sua vida, escreveu a uma Beneditina: "Quem procura a verdade, consciente ou inconscientemente, procura a Deus".
A beleza do sorriso de Madre Teresa, o canto de Silas e São Paulo, a santificação no meio do mundo de São Josemaria Escrivá, o martírio de Santa Teresa Benedita da Cruz. Todas essas realidades, cuja eloquência do testemunho não nos deixa indiferentes, têm sua origem e fim no desprendimento das coisas da terra. Quem coloca seu coração em Deus transmite a luz de Cristo em sua face e atrai os outros para o céu — "Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim", escreve São Paulo aos Gálatas (2, 20).
A única coisa que deve nos prender a este mundo são os três pregos da cruz. Essa é a nossa meta cristã.
Fonte: https://padrepauloricardo.org/blog

quinta-feira, 12 de março de 2015

O Desejo de encontrar Deus


“A quem iremos? A Peregrinação e a experiência da fé”

Por Padre Carlos Cabecinhas (reitor do Santuário de Fátima)


  “A peregrinação é uma experiência religiosa universal”, não sendo um exclusivo do cristianismo, já que “todas as grandes religiões conhecem a prática da peregrinação”. A diferença cristã está em que “ao contrário do que acontece, por exemplo, no Islamismo ou no Judaísmo, no cristianismo a peregrinação não é um dever, é sempre ato livre, que brota da vontade do próprio crente”.
Num percurso pela história da espiritualidade e pelos elementos constitutivos do ato peregrinante, sendo eles “o peregrino, o caminho e o lugar santo ou santuário, meta da peregrinação”, o padre Carlos Cabecinhas concluiu que “a peregrinação pode definir-se como viagem por motivo religioso em que é a motivação que a distingue de outro tipo de viagem” 
Que motivações levam alguém a peregrinar?
Para o Reitor podem ser diversas: “Uma motivação é pedir uma graça específica: uma cura, uma iluminação, um novo impulso espiritual. Outra é a gratidão: vai-se em peregrinação agradecer uma graça recebida. Há peregrinos que se lançam ao caminho com sentido penitencial, para expiar os próprios pecados mas, sobretudo, para poder recomeçar. Porém, uma das razões principais que leva o peregrino a partir em peregrinação, e que é transversal às outras motivações apresentadas, é o desejo de encontrar Deus de forma mais direta do que na vida ordinária e a convicção de que isso é mais fácil na caminhada e em certos lugares específicos”.
Outra abordagem realizada pelo conferencista aconteceu por meio de um percurso pelos principais textos bíblicos com narrações ou descrições relacionadas com experiências de peregrinação nas Escrituras. 
“O caminho para Deus não é um conjunto de normas ou de leis: o caminho é uma pessoa, Jesus Cristo, porque é o único mediador entre Deus e o homem e constitui o único acesso a Deus”, concluiu o Reitor.
Quanto às dimensões mais importantes para uma espiritualidade da peregrinação, o Reitor do Santuário de Fátima destaca seis: a dimensão escatológica, a penitencial, a festiva, a cultual, a apostólica e a de comunhão.
“Na peregrinação a Fátima, a dimensão penitencial é particularmente importante. Na homilia do dia 13 de maio de 1982, o Papa João Paulo II afirmava: ‘A mensagem de Fátima, no seu núcleo fundamental, é o chamamento à conversão e à penitência […] O chamamento à penitência, como sempre, anda unido ao chamamento à oração’”, disse.
Quanto às quatro etapas da peregrinação, “são um paradigma da vida de fé: a partida, a caminhada, a permanência no Santuário, meta da peregrinação, e o regresso”. 
“O momento do regresso não é simplesmente uma despedida do santuário, a assinalar o fim da peregrinação: é sobretudo um envio, uma missão”.