Depois da morte do Pastor Angelicus, a graça divina reservaria à
Santa Igreja a eleição de um Papa bom. Simples, humano, intenso. Angelo
Roncalli foi eleito 261º sucessor de São Pedro a 28 de outubro de 1958,
assumindo o nome de João XXIII.
O pontificado de Roncalli chegou à Igreja como um improviso da
história. Contam as testemunhas da época que seria apenas um Papa de
transição. Não foi. Decidido a "contemplar o passado, para ir recolher,
por assim dizer, as vozes, cujo eco animador queremos tornar a ouvir na
recordação e nos méritos", convocou o Concílio Vaticano II, a fim de guardar e ensinar "de forma mais eficaz" o depósito sagrado da doutrina cristã.
E assim, em 11 de outubro de 1962, tinha início o 21º Concílio
Ecumênico da história da Igreja. A cena era imprevisível. Chegavam à
Roma bispos do mundo todo - como nunca antes acontecera -, trazendo no
bojo de suas preocupações a vontade de servir com mais prontidão à causa
de Cristo e de sua Noiva. Da Cátedra de Pedro, sob a sombra do imenso
baldaquino de Bernini, o Sumo Pontífice dava o tom daquele encontro
inaudito: "O XXI Concílio Ecumênico (...) quer transmitir pura e íntegra
a doutrina, sem atenuações nem subterfúgios, que por vinte séculos,
apesar das dificuldades e das oposições, se tornou patrimônio comum dos
homens."
João XXIII desejava "pôr em contacto com as energias vivificadoras e perenes do evangelho o mundo moderno".
O Santo Padre havia observado, desde os tempos de nunciatura apostólica
em Paris, o avanço agressivo do tecnicismo, que trazia ao homem a falsa
sensação de autossuficiência, "e mais ainda - um fato inteiramente novo
e desconcertante - a existência do ateísmo militante, operando em plano
mundial." A Igreja precisava agir.
De fato, o perigo que o progresso técnico trazia consigo era
iminente. Sem menosprezar os seus grandes benefícios, Pio XII já havia
alertado em uma de suas famosas radiomensagens de natal quanto ao
caráter alienante da técnica, pondo "o homem em condição desfavorável
para procurar, ver e aceitar as verdades e os bens sobrenaturais". "A
mente, que se deixa seduzir pela concepção da vida ditada pelo "espírito
técnico", fica insensível, desinteressada e, portanto, cega diante das
obras de Deus".
Em termos semelhantes se expressaria, anos mais tarde, o Papa Paulo VI
na Populorum Progressio. Montini diria que "se a procura do
desenvolvimento pede um número cada vez maior de técnicos, exige cada
vez mais sábios, capazes de reflexão profunda, em busca de humanismo
novo, que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo, assumindo os
valores superiores do amor, da amizade, da oração e da contemplação."
Com efeito, o Concílio não tinha tanto a missão de discutir a Igreja.
Era um Concílio para discutir os problemas do mundo e, através da "luz
dos povos" que é Cristo, iluminar "todos os homens, anunciando o
Evangelho a toda a criatura".
João XXIII pedia pelo surgimento de sábios, que fossem audaciosos e
fortes o bastante para que se humanizassem "as novas descobertas dos
homens". Por isso, na formação teológica dos sacerdotes, os padres conciliares deram a Santo Tomás de Aquino a primazia dos estudos. Uma posição nunca antes dada ao Doutor Angelicus, nem mesmo no Concílio de Trento.
Esse desejo de João XXIII, que se fez presente no Concílio Vaticano
II, vinha de sua visão sobrenatural. Ele estava convencido da
necessidade de recristianizar o mundo, dando a todos os corações a
Palavra de Deus. Católico, Roncalli dedicava a oração de seu rosário a
qualquer um, cristão ou não cristão, e em especial, às crianças.
Mariano, entregou aos pés da Virgem de Loreto os trabalhos do Concílio,
suplicando à Mãe de Deus as graças necessárias para "entrar na sala
conciliar da Basílica de São Pedro como entraram no Cenáculo os
Apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus: um só coração, uma
pulsação única de amor a Cristo e pelas almas, um propósito único de
viver e de nos imolarmos pela salvação de cada pessoa e dos povos."
Fatalmente, na tarde de 3 de junho de 1963 falecia il Papa buono,
deixando a Paulo VI a responsabilidade de encerrar o grande Concílio. No
jubileu do ano 2000, ao lado de Pio IX, João XXIII foi beatificado pelo
Papa João Paulo II. E agora, em 2014, será o Santo Padre Francisco a
canonizá-lo, dessa vez, junto do Papa polaco.
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